quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Seja feliz Luis Felipe

Ontem embarquei num vôo da Gol (2156) de Congonhas para Curitiba trazendo comigo 2 malas grandes e 3 pequenas. Essas malas continham donativos que conseguimos juntar às pressas para aos desabrigados de Santa Catarina. Um amigo nosso está coletando-os em Curitiba e os fará chegar ao seu destino.

Viajei feliz pela sensação de estar realizando algo de fato. De ter conseguido agir e sair da inércia de só ficar assistindo. Fico pensando no como é bom se sentir bem consigo e o estado de orgulho que me envolve por ter usado meu tempo, que eu considero curto, junto com minha família e alguns amigos para fazer aquilo que nossos corações pediam. Como isso alimenta a minha alma e me deixa mais leve. Essa leveza me leva a lembrar do Luis Felipe, o rapaz que me atendeu no balcão da Gol e que foi o responsável pelo único momento ‘pesado’ dessa ação.

Quando cheguei no balcão da Gol para fazer meu check in, fui atendida por ele. Rapaz jovem que foi pesando minhas malas e etiquetando. Como deu sobrepeso, o que era esperado, pedi para eles considerarem se podiam ‘perdoar’ o valor já que eram donativos para SC. Podiam abrir as malas se quisessem comprovar. Não, não podiam. Entendo, normas são normas e provavelmente Luis Felipe não tenha autonomia para decidir mudanças nas normas. Então, seria possível falar com o supervisor? Em poucos minutos ele voltou e no seu tom de voz já senti a agressividade e ironia. Disse-me que o supervisor estava ocupado e não viria e emendou me questionando o fato das malas conterem donativos para Santa Catarina sendo meu destino Curitiba. Dá para imaginar o dialogo do supervisor com o Luis Felipe. Expliquei que Curitiba é mais perto de Santa Catarina que São Paulo e haveria alguém para distribuir, pedi novamente que me ajudasse por conta dos donativos e a resposta foi ríspida: “É você que faz donativos, não a Gol”. Além de não se dignar a olhar minha cara, porque ficava fazendo anotações, duvidava da minha palavra e ainda me solta uma pérola dessas. Na hora tive vontade de dizer ‘vai se ferrar’, mas fiquei olhando para ele e pensando o que levava a um jovem como aquele ter tanta raiva e mau humor. Ser tão grosseiro.

Entanto ele ia fazendo o cálculo do valor que teria que pagar, pensei no supervisor que devia ter incentivado esses sentimentos no Luis Felipe. Pensei na Gol, que colocou nas minhas malas etiquetas com a marca Varig. Pensei nos funcionários que devem andar com problemas de identidade sem saber ao certo qual é Marca, e todos os valores nela embutida, que representam. Pensei na Alta Direção e nos donos dessa empresa. Quais são os seus valores a final? Provavelmente o entendimento de respeito que eles têm é distinto do meu já que são capazes de comprar uma marca como a Varig que representa tanto para os brasileiros e a história deste país e simplesmente a tratam da forma como a estão tratando.

Voltei para o Luis Felipe e entendi. Somente alguém infeliz é capaz de tanta grosseria. Naquele momento, voltei a lembrar das horas que passamos empacotando e carregando malas. Dos emails enviados e a alegria com as respostas. Lembrei que eu sou feliz e isso me faz ser melhor. Paguei o sobrepeso - e é justo dizer, Luis Felipe diminuiu por conta própria - que teria pagado do mesmo jeito entendendo as normas, a falta de autonomia, mas poderia ter ficado com a sensação da cortesia no atendimento. Sai do balcão da Gol fazendo um pedido em silêncio: que o Luis Felipe decida ser feliz. Que corra, que fuja se for necessário, mas que lembre que há sempre outras oportunidades. Há sempre a possibilidade de ser feliz.

sábado, 20 de setembro de 2008

Fazer o que gosto ou fazer o que devo? Por que não gostar de fazer o que devo?

Quando falo com as pessoas sobre fazerem sua parte para a sustentabilidade da vida, do planeta, do ser humano, muitas pessoas comentam que existem coisas que elas gostam muito de fazer e lhes seria difícil abrir mão em prol do nós. Percebo nelas o desejo forte de manter as vontades que elas têm e sentem que lhes são de direito, como um pagamento que cobram por estarem vivas e fazerem os seus deveres. São as chamadas indulgências.

Essa percepção me vem acompanhando há tempos e creio que agora entendi que talvez haja por trás dessa atitude e comportamento a imagem de que viver é um sacrifício. Assim, já que estou me sacrificando, tenho direito a uma recompensa. Para aqueles que pensam assim, por mais íntimo que seja este pensamento, gostaria de lhes pedir uma reflexão sobre esse pensar. Acredito que essa crença não contribua em nada. Não ajuda a pessoa, não ajuda as pessoas que a rodeiam e muito menos ao mundo. Se sentir vítima só traz para si o sentimento de injustiça – se não, não haveria vítima – e desenvolve na pessoa a crença que merece mais os céus do que os outros. Acredito piamente, que o sacrifício não eleva. A gente não fica mais boazinha através do sacrifício. Acredito que não há um prêmio maior nós aguardando nos céus. Talvez isso venha, no nosso caso ocidental, de uma doutrina cristã e católica, que já impôs a nós crenças que até hoje nos conduzem e algumas delas, infelizmente, não fazem mal.

Acredito que na realidade o ato bom, bondoso se realize por atender um desejo que vem da alma, em fazer o bem. Não é uma troca que depois iremos cobrar. Quando estamos com esse desejo no coração e conseguimos manifestá-lo, não há nenhuma sombra que lembre sacrifício. Pelo contrário, há um prazer imenso em atender esse pedido da alma. O coração se emociona, e a gente fica com uma satisfação tão grande de nosso ato, com tanto orgulho de nós mesmos, que ao final, queremos mais é pedir agradecimentos ao outro por nos permitir viver isso.

Parece sublime demais? E é. E está ao nosso alcance. Simples.

Hoje agradeço a criação japonesa que recebi da minha mãe. Onde o dever esta acima do eu. Onde o nós está acima do eu. Com os anos limpei a ‘honra’ de me sacrificar que essa cultura traz muito forte. Entendi que o sacrifício não me elevava, mas me revoltava. E hoje, limpa essa parte, vejo que sobrou o prazer pelo dever cumprido. Prazer que infelizmente quase não percebo nas pessoas. Nem as vejo desenvolvendo isso nos seus filhos. Infelizmente, o que mais vejo é a revolta; e por isso cobram sendo indulgentes com eles mesmos, ‘porque têm direitos’ já que estão vivos. Que coisa mais maluca? Pense. A vida já é um prêmio.

Tenho pensado que devemos cuidar esse sentimento dentro de nós. Aprender e valorizar em nós e nos nossos filhos o orgulho por fazer bem feito, por cumprir os nossos deveres. Não pela obrigação, ou porque não há alternativa, mas porque isso nos enobrece, literalmente nos torna nobres, no melhor sentido dessa palavra. E só ler, como sempre, o maravilhoso Aurélio ([Do lat. nobile.] Majestoso, augusto. Elevado, alto, sublime. Generoso, longânime, magnânimo). Assim, fazer o que devemos, gera em nós um orgulho que nos sustenta de dentro para fora. E nos dá independência sobre o outro. Nos firma. Fazer o que devemos, sem sentimentos de sacrifício, deveria ser o que mais gostássemos de fazer. O que mais ensinássemos aos nossos filhos. Porque só nós faz bem. Nos traz uma felicidade tão grande e douradora que nenhuma indulgência é capaz de competir. Acredite, experimente.

sábado, 9 de agosto de 2008

Amarelinhos e marronzinhos

Tinha um cliente há alguns anos que definia um segmento de consumidores pelo termo de ‘marronzinho’. Essa expressão associava a cor marrom ao espírito desse grupo: opaca, um pouco apagada, sem se sobressair. Essa definição nos ajudava a entender que essas pessoas se sentiam confortáveis sendo comuns no sentido de iguais, eram pessoas que quando chegavam num lugar e viam que estavam com o mesmo estilo de roupa, se sentiam felizes por estarem ‘dentro’ do grupo. Cores mais vibrantes ajudavam a definir outros espíritos de grupos.



Mas voltando aos ‘marronzinhos’, lembrei disso porque nesta semana uma amiga comentou que tinha ouvido que meu marido tinha ‘amarelado’ por ter optado em deixar o mundo corporativo. Fiquei pensando nessa avaliação. Foi num dia que justamente conversei com outro amigo que estava se questionando sobre a vida corporativa e seus valores. No dia seguinte encontrei mais pessoas com o mesmo questionamento... como acredito que seja algo coletivo, quis lhes dizer que tomar decisões que fogem aos valores reinantes dentro de um grupo pode, sim, nos torna excluídos, nos deixar mais ‘amarelinhos’, porque deixamos de vibrar no mesmo tom deles.
Sei que a decisão de ser um ponto fora da curva, tem que estar bem sedimentada dentro de nós, já que a cobrança vem até dos amigos e familiares porque você deixa de fazer parte do que para alguns é considerado, o Sucesso, e muitos destes gostam de saber que estão em contato com esse ambiente através de você. Para poder sair do tom considerado 'sucesso', e partir para o tom ‘amarelo’ sem tanto sofrimento, a opinião do outro tem que ser menos importante do que seguir "o desejo que vem da Profundeza de teu Ser" como o especial Roberto Crema fala. E essa decisão deve vir tranqüila, no seu tempo. Não é um grito revolucionário, não é externo. É interno.


Quando começamos a ser ‘amarelinhos’, começamos a ver o mundo de forma diferente. Começamos, sem planejar, a encontrar novos valores, novos interesses, novas pessoas que há muito tempo vibram em outros tons. Pessoas que vão colorindo as suas vidas em tons mais pastéis, alguns monocromáticos, alguns berrantes, mas sempre originais, apresentando o seu tom único e pessoal. Se permitindo Ser no mundo que quer padronizar até isso.
De repente, você olha para aquilo que custo muito deixar, e se surpreende ao olhar que no fundo eles são todos ‘marronzinhos’, vibrando todos no mesmo tom, querendo todos ‘fazer parte’, querendo todos ser iguais, muitas vezes mitigando e até esquecendo, como eles são de verdade. É claro que tem gente que gosta e é feliz sendo assim. Livre arbítrio. O importante é saber que você está optando.
Posso lhes garantir que começar a ser 'amarelinho' não é um caminho fácil, mas dá um prazer, uma satisfação e uma felicidade que eu nem sei explicar direito, mas que eu espero que vocês tenham a coragem de experimentar.
“Que você consiga se conectar
com a profundeza de teu Ser,
que te traz o desejo,
que te dá a força,
que te dá a vontade,
a vontade para seguir o teu destino”.
Salve Roberto Crema!

terça-feira, 1 de julho de 2008

Constelação da Vida

Conheci o trabalho do Bert Hellinger há pouco tempo através da Tereza Brandão do Núcleo de Psicologia Clínica de Curitiba. Logo que a Tereza me falou sobre as Constelações fiquei encantada embora quando falava delas, devo confessar que era difícil descrever racionalmente o que elas significavam. Mas intuitivamente fazia todo sentido para mim o conceito de Totalidade que o método utiliza.

Desde que me voltei para contribuir com um mundo melhor a partir dos meus atos, sabia que, embora seja uma contribuição mínima pensando no contexto maior que a humanidade representa, eu fazia parte do todo, e que pelo menos na única parte que eu tinha real controle do todo, estava agindo. Isso me dava e me dá até hoje um sentimento de orgulho.

Nestes meus meses de instalação em São Paulo milhares de fatos e coisas estão me puxando para um lado para outro o que me impede de fazer tudo o que gostaria, porém, uma coisa é certa, esta cidade grandiosa está me dando a oportunidade – que eu aproveito o máximo que posso – em me conectar com aqueles que pensam e sentem de forma diferente. Que acreditam no seu poder de transformar, que tentam fazer coisas independentes dos outros. Que não deixam para amanhã o que pode ser feito hoje, agora. A cidade, claro, tem todo um lado ‘sombra’, mas a ‘luz’ também é muito grande e forte. Há muitos movimentos do Bem brotando nem que pipoca em óleo quente. Muitos. Nem dá para acompanhar todos. Mas esse pulsar do Bem está sendo muito encorajador e alentador para mim.

Esse movimento, é claro, também está atingindo as empresas. Sejam pelo marketing – ser vistas como politicamente corretas – ou seja por uma crença, o motivo, no fundo não interessa; o importante é que elas também estão se movimentando. Os pessimistas de plantão sempre repetem que ainda falta muito, e que na sua essência, ainda as empresas estão longe de ser sustentáveis de forma sócio–ambiental. Eles estão em parte com razão, mas essa mentalidade também lhes dá o direito a eles próprios se acomodarem e se justificarem perante a sua própria postura não sustentável. Prefiro o time dos otimistas que de tanto acreditar levam para seu mundo uma atitude pró-ativa. As empresas têm a força e responsabilidade de promover grandes mudanças, uma só que se movimente para o Bem, leva consigo milhares. E o planeta, e principalmente nós humanos, precisamos dessa agilidade.

O Bert Hellinger vem ao Brasil em agosto para tratar das Constelações nos Negócios (
www.constelacaodenegocios.com.br). Não é à toa que ele vem trabalhando com esse foco. Além de separar o lixo, além de não jogar o óleo na pia e de optar por produtos recicláveis e orgânicos; em minha opinião, turminha do Bem, é hora de levar para nossa mesa de trabalho atitudes que possam mudar, nem que seja na nossa baia, a idéia de participação e responsabilidade que temos pela sustentação do ser humano como ser evoluído que cuida de todo o sistema de vida na Terra. É hora de sermos, como disse Roberto Crema num Fórum que participei, Conspiradores do Bem, aqueles que diariamente, quase no sussurro de seus atos, vão levando um novo modo de ser e agir. É hora, de termos uma postura sustentável também, como profissionais ao nos colocarmos nas reuniões, no dia-a-dia com os colegas. A empresa pode não ser, mas eles têm que saber que nós somos. É hora de sermos Um e acoplar em nós todos os nossos diversos papéis sociais que ocupamos. Meu coração me diz, que é hora de entender de uma vez por todas, que somos todos parte de uma grande Constelação.

sexta-feira, 7 de março de 2008

A força do amor

Passamos o último final de semana num hotel delicioso (Kuriuwa Hotel, Monte Verde) indicação de um casal muito querido. O local foi providencial para fazermos o que queríamos: descansar corpo e alma. Tivemos um sábado frio que veio acompanhado por uma névoa gelada que chegava a cobrir os pinheiros em volta gerando um efeito quase mágico sobre nós, transportando-nos para o mundo imaginário de reis, rainhas, heróis e heroínas do norte europeu...
Foi nesse clima de magia – que o pessoal do hotel faz questão de alimentar – que assistimos ao filme “Piaf, Um Hino ao Amor” de Oliver Dahan. Eu conheci Edith Piaf graças ao meu marido, um apaixonado pela cultura francesa, mas devo confessar que após o filme, ouvir Piaf tomou outra dimensão dentro de mim.


Como uma mulher com fragilidade física desde pequena, que teve uma vida, no mínimo, difícil, que sofreu tantos abandonos, perdas e dores, conseguiu ter tanta força e não se endurecer? Ela morreu alegre, cheia de fé na sua St. Marie Teresa e fiel ao amor e a si mesma. Sem arrependimentos.

Os últimos minutos do filme para mim são os melhores: a entrevista que ela dá à beira mar intercalada com a primeira vez que ela cantou “Non, Jê Ne Regrette Rien’’ no L’ Olympia, são uma lição de coerência e força de espírito que nos deixou extasiados e recarregados para voltar à vida do mundo real.

Ela sentada na areia, tricotando, despretensiosa, afastada da persona que representava ao mundo naquela época, vai respondendo às perguntas da jornalista. A tradução ao português, como costuma acontecer, prejudica a compreensão da força que há nas palavras da Edith, mas há duas respostas que gostaria de compartilhar.

A primeira é referente aos seus amigos. A repórter questiona quem ela considera serem os amigos mais fieis, e ela responde: “todos os meus amigos são fieis”. Claro, se é amigo, é fiel. Não deveria ser sempre assim? Não deveríamos usar esse termo para aquilo que foi criado e denomina? Quando a gente vai abrindo concessões, vai perdendo a consistência. Nossa própria consistência. Vamos, simplesmente, nos diluindo.


Eu sei, tudo tem seu lado positivo, mas pelo menos só para nós, creio que é bom voltar à base, a raiz para reavaliar e olhar tudo de novo sob outro prisma.

A outra pergunta é se ela costuma rezar. A resposta dela é maravilhosa, levando mais ainda em conta a vida de perdas e dores que teve: “Sim. Porque eu acredito no amor”.

Edith Piaf viveu até o último dia de sua vida amando. Amando a música, amando a vida, amando os homens, os amigos, o palco, seu país. Há tanta entrega no que ela fez que a gente, mesmo leigo no quesito música e sem entender uma palavra de francês, pode sentir a força da energia canalizada de seu amor, na sua voz.

Se puderem vejam o filme e se transportem para o mundo dos heróis que este mundo real pode criar. Quem sabe a gente não se anima e pega um pouquinho dessa força?

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

A importância da noz moscada

Pelo processo de implantação da Behavior em São Paulo tenho entrevistado diversos candidatos às vagas ofertadas e tem me deixado triste, embora infelizmente não chegue a me surpreender, perceber a falta de perspectiva e ambição mesmo entre os mais jovens. Felizmente não são todos, mas há em boa parte um desânimo e apatia que, pelo menos nas minhas memórias pessoais, não deveria combinar com o início da vida adulta.

A maioria tem se queixado sobre a situação política do país, da falta de respeito das pessoas, a falta de oportunidades e a despreocupação que as pessoas têm tido com o meio ambiente. Até ai tudo bem, aliás, que bom que estão enxergando isso tudo. O que me entristece e preocupa e a dificuldade que eles têm de enxergar seu poder para gerar mudanças. De enxergar que o todo se faz no um a um. Mais ainda quando se é jovem e a gente acha que tudo é possível e, pelo menos deveria, achar que basta querer para conseguir.

Considero que parte dessa apatia deva-se à miopia e a dificuldade de entender a ligação do todo com as partes. De compreender de fato que uma torneira melhor fechada – a nossa torneira melhor fechada – faz diferença no Planeta. Dessa forma, sem visualizar a importância da partícula, o todo fica muito grande, e é compreensível sentir desânimo.

Olhando para esses jovens fiquei pensando como ajudar a mudar essa percepção de seu próprio
poder. Creio que uma forma de melhorar isso é imaginar o nosso pequeno mundo – casa, trabalho, vizinhos, dia-a-dia – como um reino daqueles com muralhas ao redor, marcando os seus limites entre o que é nosso mundo e o mundo além do muro. Nesse reino, vamos imaginar que nosso papel é vital, afinal, nos somos os atores principais, quem sabe o rei ou a rainha. Somos tão importantes que o nosso consumo de água é importante, nossa luz desperdiçada faz diferença, o nosso gesto de respeito e delicadeza com o outro toma proporções incríveis. Vamos imaginar que nós temos o poder, como num conto de fadas, vamos brincar de reis e rainhas, de heróis e heroínas, onde a nossa vida faz diferença para todo o reino.

Pensei nisto tudo quando continuava rindo de uma história que uma amiga nossa nos contou durante o jantar. Naquela agradabilíssima noite falamos sobre a Patagônia que nos levou a falar do Estréio de Magalhães que nos levou a falar dos navegadores que buscavam valentemente novas rotas marítimas para as terras com preciosas especiarias. Falamos como essa ambição levou o mundo a nos descobrir e colonizar e realizamos, por fim, a importância das especiarias na nossa própria história.

Nossa amiga, uma pessoa alegre, viva, divertida com um olhar ‘despierto’ sobre cada detalhe e sua importância no todo, nos contou que levou um susto quando falando com uma menina, esta lhe disse que não sabia o que era uma noz moscada. Com os olhos bem abertos ela olhou para a menina como se fosse uma aberração e lhe disse: “como você não sabe o que é uma noz moscada? Como assim? Presta atenção: se não fosse a noz moscada você seria só um projeto. Você nem eu estaríamos aqui”.

Ainda rio quando imagino o que devia ter passado pela cabeça da menina olhando aquela mulher tendo ataques porque não sabia o que era uma noz moscada... Talvez seja pedir muito para entender tanta correlação, mas desde esse jantar, confesso que
tenho olhado diferente para a noz moscada.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Ano Um: mais autonomia para todos nós

Início de ano traz para a maioria a expectativa de cumprir promessas há tempos agendadas, olhadas e não realizadas. Considero-me com sorte por somar essa natural sensação de início de ano, o fato de ter mudado de cidade e também um pouco do nosso estilo de vida.

Embora estejamos recém instalados, gostaria de compartilhar o aprendizado que tenho obtido com a mudança. Iniciarei com o conforto. Percebo que o conforto quando associado a uma rotina constante pode gerar em nós, seres humanos, uma acomodação não saudável. Conforto pode trazer bem–estar e tranqüilidade e deve ficar claro que considero isso vital para o equilíbrio humano; porém o que percebi pós-mudança, é que como seres humanos, temos tendência à acomodação e à preguiça. E é aqui que mora o perigo. Um ambiente muito confortável, tranqüilo, calmo e rotineiro, pode ser um ambiente propício para a acomodação e o exercício da preguiça.

O conforto vai entrando nas nossas vidas, tal qual o mofo, sem percebermos, tomando conta. No início até notamos, mas depois vamos nos acostumando com o ‘cheiro e as manchinhas brancas nas roupas’. Começamos a achar que é normal, faz parte. Paramos de lutar contra e não só o aceitamos em nossa volta como, muitos de nos o confundimos e justificamos como a tão desejada Qualidade de Vida. Conforto em nossa volta, se não tomarmos cuidado e não lhe dermos o seu devido limite, pode nos tirar coisas preciosas: a nossa autonomia, o nosso poder de superação e realização. A alegria de buscar e encontrar o novo.

Tivemos por mérito, nos últimos anos de nossas vidas uma vida confortável, com pessoas nos ajudando em nossa volta, diminuindo para nós os atritos. Construímos um network de 'ajudantes' que com anos de relacionamento, vão lendo até teus pensamentos. Isso somado à vida que o mundo corporativo vai te dando você vai se acostumando às estruturas em volta que resolvem tudo, aos cartazes nos aeroportos com teu nome, aos hotéis de rede onde se bobear você nem lembra em que país está de tão similares que eles são.


Há também o conforto do conhecido. Se você vive na mesma cidade por muito tempo já sabe onde comprar ‘aquele’ pão, quem faz a melhor massa, a quem ligar se algo acontece de errado, qual é o melhor caminho. Emfim, lentamente vamos ficando dependentes, lentos, menos resistentes ao esforço físico e perdemos o instinto de curiosidade, de localização e até o de sobrevivência.

Alguns podem pensar que não tem nada de errado em viver confortavelmente e de fato não deve ter. O errado, sob meu ponto de vista, é não equilibrarmos as coisas. Com diria uma velha professora minha, "busque sempre o caminho do meio". Mas, como humanos, cedemos a tendência natural da busca pelo conforto e vamos entregando nossa vida aos outros. Quando consideramos que ‘está tudo sob controle’ na verdade são os outros que controlam a nossa vida. Nós é que nos tornamos dependentes deles. Nós é que ficamos dependente do que é conhecido.

Jantamos algumas semanas atrás com um amigo especial que também decidiu dar uma virada na sua vida. Como todo homem proveniente da vida corporativa, criou dependências até há pouco imprescindíveis: ele conta com a ajuda da mesma secretária há 20 ou 25 anos, não lembro bem, mas o fato é que, segundo ele, ela sabe mais da vida dele do que ele próprio. Disse que resolveu ter “a sua vida de volta” porque no posto que ocupa, se deu conta que fazia tempo ela não lhe pertencia mais. Gostei dessa lógica.

Eu mesma percebi que ganhei um gás diferente. Uma vontade, um desejo de descobrir, de conhecer, de começar. E então me toquei, de repente, uma sensação que fazia muito não me acompanhava, algo que estava quase esquecida: a de sentir que tem toda uma (NOVA) vida pela frente.

Pense nisso. E um bom ano Um para você também.

PS. Nosso amigo também disse no jantar que depois de tentar essa nova forma de vida terá duas reações: ou ele sairá mais fortificado ou ele sairá correndo para contratar a mesma secretaria...