quarta-feira, 27 de abril de 2011

Projeto Mulheres: existe a sina feminina?

No post anterior (a força do olhar do outro) discorri sobre como a sociedade de Recife pode se tornar bastante vigilante e por isso chegar a ser castradora para a mulher. Como é difícil para as mulheres de lá viverem, nem digo suas próprias verdades, porque acredito que ainda estejamos no caminho de sabermos quais são, mas pelo menos de exercitar a busca por elas de forma livre.

Em São Paulo, por estarmos numa metrópole aberta para o mundo, e com maior dose de individualidade, esse exercício é mais permitido e até valorizado. Óbvio, dentro dos limites de uma sociedade que, como todas, impões valores e crenças por mais variadas que elas possam ser.

Embora Recife receba milhares de turistas todo ano, acredito que o motivo da viagem faz diferença na oxigenação de uma sociedade. As idas a Recife, pelo seu próprio papel de cidade turística, costumam ser para não ficar, para não criar laços. O foco é se divertir e desfrutar. Viver o que não se vive normalmente.

Diferente de uma cidade como São Paulo, na qual as pessoas vem para criar algum tipo de laço, por mais comercial que este possa ser, significa continuidade. Por isso, a forma de interagir é diferente. Ao criar laços, a troca de valores se torna mais ativa e, claro, isto afeta à cidade e sua moral.

Mas o que alimenta a cultura vigilante e moralista sobre a mulher em Recife? Um dos motivos, entendemos hoje, é a pouca ajuda que as mulheres se dão entre si para quebrar o círculo vicioso que as aprisiona.

A impressão que tivemos é que há, de certa forma, a crença de existir uma sina feminina. Entendemos que esta sina diz que 'ser mulher é sofrer'. Que o sofrimento, assim como o sacrifício, faz parte do feminino. Herdeiros que somos da cultura latina, cristã, na qual ser 'boa' é sofrer e que o sofrimento pode 'elevar a alma', seria natural, como é, que essa crença ainda reverbere dentro de nós - todos nós.


O que torna esta crença particularmente vil para a mulher em Recife é a cobrança, mesmo velada, de que isto continue, especialmente pelas  próprias mulheres.


Não deveriam ser as próprias mulheres as que incentivassem a quebra desta 'sina'? Deveria. Mas mesmo com o sofrimento que foi demonstrado, a maioria das mulheres relatou ter tido pouco apoio das mães ou de mulheres relevantes da sua vida.


Pelos relatos obtidos, compreendemos, que em alguns casos,  o motivo é uma raiva contida que se manifesta quando outra mulher é capaz de ter a vida que ela não teve. Em outros casos, é somente a crença forte que é esse o papel da mulher.


Seja qual for o motivo, está claro que a mulher ainda precisa recorrer um bom caminho até exercer o espírito de 'classe' que os homens conseguiram desenvolver. E nisto, há poucas diferenças entre São Paulo e Recife.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

O medo e a coragem

Hoje senti o medo no meu corpo. Embora tivesse sentido meu corpo ficar mais tenso nas costas e no ombro direito ao longo da semana, sinal que reconheço como algo me incomodando, somente na aula de ioga, hoje cedo, tomei consciência de como o medo estava tornando meu corpo mais rígido, endurecendo minhas articulações. 

Na medida que minha professora, Marcelly, intuitiva como sempre, ia conduzindo sua aula para 'soltar o corpo' fui percebendo a reação do meu corpo perante o medo. Quanto mais consciente me tornava do que estava acontecendo, mais o medo parecia crescer dentro de mim.  

Com essa consciência refleti sobre os últimos dias e percebi como quando algo me incomoda ou não está ainda resolvido dentro de mim, costumo organizar gavetas, armários, eliminar excessos, tornar tudo mais fácil de ser achado. Uma vez li que organizar armários ajudava uma atriz a se organizar por dentro. Achei engraçado na época, mas sem dúvida esse é meu caso. Passei parte do final de semana fazendo isso.

Meu corpo sábio, mesmo que minha mente não tivesse racionalizado o meu momento, estava dando sinais claros de tensão. Pois bem, aproveitei minha aula de ioga, me afastando do espírito ioga, que é estar onde se está, e fui desviando minha mente para sentir o medo em toda sua plenitude.

O medo tensiona porque faz o papel de nos alertar. É nesse estado, de alerta, que o medo se torna positivo. Nos desperta. Nos move. Nos agiliza.

Mas também o medo paralisa. Enrijece. Como uma idéia fixa. Como um saber radical, que é ótimo quando significa ir até a raíz, se fundamentar, mas que se torna ruim quando não permite o novo se aproximar. 

Quando percebi o medo em mim, me senti frágil e por alguns minutos tive a sensação de que não conseguiria sair desse estado. Me permiti viver isso. Foi com esse sentimento que  ao terminar a aula, liguei para meu marido para pedir colo. Sei que conseguiria me recobrar sem ter feito essa ligação. Mas é bom viver esse sentimento de fragilidade compartilhada. E saber que ele estava do outro lado da linha me suportando.

A cada respiração profunda fui recobrando minha força e com ela minha coragem. Coragem. Interessante como ela faz mais sentido depois de viver o medo. É claro que hoje em dia ter coragem para mim ficou mais fácil, porque são inúmeros feedbacks positivos que a vida me deu por tê-la. Mas ouve um tempo que ela veio como alternativa, quase única. 

Nesses tempos, o medo me fazia correr, quase sem parar. Não meditava sobre ele. Não o enfrentava. Corria dele. E a coragem tinha essa forma, correr. Fugir. Descobrir novas coisas, novos caminhos, para sair de onde estava. 

Hoje é mais tranqüilo. Primeiro é mais fácil reconhecer o medo. Senti-lo. Até porque já sei como ele se manifesta em mim. Segundo, sei que há saídas para enfrentar o que me gera medo. E aqui vem um ponto importante: isso não significa ter sucesso ou se dar 'bem' no sentido comum da palavra. Significa simplesmente que há saídas.  Terceiro, sei que tenho a força de enfrentá-lo. E quarto, também importante, mesmo que no final não dê certo, ou fique numa situação menos confortável, sei que irei sobreviver bem melhor do que minha mente quer me mostrar. 


Como tudo na vida, acredito eu, ter coragem é uma questão de prática. E o medo é seu fiel companheiro.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Projeto Mulheres: a força do olhar do outro

Por viajar ao norte e nordeste como pesquisadora há um bom tempo, não foi surpresa verificar, durante o andamento do Projeto Mulheres, o quanto as mulheres de Recife estão em estágios diferentes das mulheres paulistas. O que mais me surpreendeu foi perceber o quanto crenças latentes relacionadas ao feminino nas mulheres de Recife, ainda reverberam nas paulistas.

Em certos momentos parece que estamos em pontos tão distantes mas quando nos desnudamos de nossas personas, posses e proteções, apresentamo-nos mulheres. Simplesmente mulheres. Tais como as meninas que fomos um dia brincando de roda entre amigas.

Há tanto desejo de falar, de ser ouvida, de ser acolhida nas nossas inseguranças, nossas alegrias e dores que conduzir essas entrevistas nem sempre foi tarefa fácil; precisamos de força para sair do mergulho que a história do outro nos levava.

Vamos refletir sobre as diferenças. Percebemos em Recife um peso maior pela imagem pública, pelo papel social da mulher, aqui contido todos os códigos morais e comportamentais de como seria uma (boa) mulher.  Em toda sociedade existem estes códigos e contribuem para estabelecer os parâmetros de convivência e, claro, o julgamento social dos indivíduos que fazem parte dela. 

O que nos surpreendeu foi a homogeneidade dos códigos que regem o papel feminino em Recife em todas as camadas econômicas (de A1 a C2) e faixas etárias (de 20 a 55 anos) que pesquisamos. Com isto compreendemos a dificuldade e o peso que deve ser 'ousar' ser diferente numa sociedade assim. 

O estereótipo de mulher ideal é bastante concreto e por isso limitado, perdem-se nuances, perdem-se possibilidades de livre expressão. Chega a ser, em muitos casos, castrador.

Lá, a importância de 'o que dirão', faz toda a diferença. É uma censura dissimulada - ou as vezes nem tanto - que permeia todo ato e atitude. Há sempre o olhar de um vizinho, de um amigo ou parente observando, julgando. Tentando enquadrar. Obviamente, é uma sociedade menos individualista, mais agregadora, o que leva as pessoas também a se sentirem mais acolhidas e protegidas, mas o lado sombra disso surge, quando em nome dessa proteção as pessoas interferem umas nas outras desrespeitando individualidades e livre arbítrio.

Quando uma mulher vive uma situação considerada inadequada, a família interfere as vezes como aliada e ajudando, mas outras, o faz julgando e tentando 'corrigir'. A 'falta' desse membro chega a ser coletiva. O que pode explicar a patrulha familiar que se instala em alguns casos.

O que me leva a refletir o porquê a sociedade caminhou para a individualização. A dificuldade de não poder se expressar fora de normas estabelecidas - muitas rígidas - deve ter causado, e aqui eu falo só para manter o raciocínio, em mulheres, uma angústia dilacerante, um desejo de fugir e correr para muito longe, sem parar. Viver sozinha, nesses casos, deve ter sido um alívio.
A minha reflexão caminha para compreender qual é a medida certa entre indicar caminhos, orientar e deixar a liberdade do outro se expressar. O quanto, em quanto mulheres, somos nós mesmas julgadoras das outras? o quanto apoiamos verdadeiramente aquelas que tiveram mais brio para correr atrás do que lhes alegra? o quanto formatamos, literalmente colocamos em formas, os modelos 'adequados' do que é ser mulher?
É bom reconhecer, nestas horas, que Recife pode não estar tão longe de São Paulo.